sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Um Presente Guardado






Maurici Zuara está agora indo em visita à casa de um dos  seus irmãos o qual já não vê há algum tempo desde  que passara por sua aguda e intempestiva  crise. Quando de sua crise,  Zuara andou irascível e brigado com o mundo, pois se embrenhara em suas dificuldades de seguir no seu desejo , na sua desmedida ambição desde seu sonho; que o céu não é mesmo perto;  andava  atormentado ; e uns ou outros vendo-o naquela agonia ainda lhe pilheriavam, como é de praxe. Assim , nesse  seu tempo de contrariedade , de cólera e de delírio, acabava por agredir verbalmente um ou outro que entendesse  como  abusador de seu azar. Desta forma , nem mesmo aqueles a quem ligado por laços consanguíneos foram poupados de xingamentos e impropérios quando na contrariedade ;  Maurici Zuara se sentia abusado. Desta forma , até seus próprios irmãos não foram poupados de impropérios  quando do surto de Maurici Zuara. Mesmo sua mãe , coitada , teve que ouvir seus impropérios desde a ira de Maurici Zuara. Após retornar definitivamente da viagens distantes que Maurici Zuara fizera nos altos e baixos do seu processo de surto , após completar seu aprendizado e retomando seu senso,  voltou  para sua cidade; resolveu visitar seus pais e seus irmãos. Seus pais já se encontravam separados e seus irmãos casados. Quando visitou sua mãe , esta o recebeu com alegria e satisfação de ver o filho restabelecido ; o mesmo foi quando visitou seu pai , e quando visitou a maior parte de seus irmãos. E deu um presente a cada um deles. Zuara percebera com satisfação que nem seus pais nem seus irmãos falou nada do passado , nem pergunta sobre o que lhe acontecera ; nenhuma cobrança , subentendendo-se que era normal que tivesse passado seus apuros e reagisse como reagiu ; acontece.  Maurici Zuara assim entendia. Porém  faltava ainda visitar um de seus irmãos.  Para a casa desse irmão estava Maurici Zuara se encaminhando agora e levando o presente para lhe presentear.
Maurici Zuara contava com que este irmão o recebesse com a mesma alegria e naturalidade com que os outros irmãos e seus pais o receberam , porém , quanto a este irmão , não sentiu o mesmo comportamento.  Não demonstrou desagrado aparente , mas também nenhuma empolgação , nem demonstração de alegria esfuziante. Lhe respondia secamente, talvez até com algum desprezo. Maurici Zuara ficou em dúvida se dava ou não o presente   a este seu irmão. Não lhe pareceu que o aceitasse ainda como irmão no coração. Talvez ainda guardasse alguma mágoa dos tempos de sua cólera  ; talvez até tivesse sido mais duro com ele em alguma palavra e ele então guardou alguma mágoa. Também poderia ser aquele o seu jeito mesmo de ser e essa tal antipatia que Maurici Zuara percebeu pode ter sido uma impressão ; ou não. De qualquer forma , Maurici Zuara omitiu o presente e resolveu não dá-lo ainda. Achou que não era ainda o momento certo para fazê-lo , pois se seu irmão tinha guardado dele algum rancor, o presente poderia soar como pretexto de comprá-lo a consciência. Zuara despediu-se , agradecendo a acolhida do irmão e prometendo voltar outro dia.
Maurici Zuara tomado de dúvidas foi procurar o Guia Espiritual da cidade para se aconselhar sobre como deveria proceder .
- Então você quer saber se seu irmão o tem em boa conta ou se guarda contra você alguma mágoa ? _ Comentou o Guia Espiritual , após ouvir de Zuara seu dilema.
- Pois então , Mestre. Eu estou angustiado,  em dúvida ; quero muito presenteá-lo , mas não quero que pareça que estou querendo compensá-lo por qualquer mal que ele ache que lhe tenha feito.
- Você disse bem : “que ele ache “ , pois mal nenhum você pode ter causado a ele nem a ninguém em função do drama que por que passou. Agredir verbalmente é natural do surto ; não se deve guardar  nada de uma pessoa nestas condições , ainda mais de um irmão ; ninguém tem culpa de ficar doente. –  Completou o Guia.
- Pois então ...  Meus pais e meus outros irmãos me receberam no coração com alegria. Mas este irmão não demonstrou satisfação  alguma ao me ver após um bom tempo. Quem sabe  tenha sido mesmo um tanto mais duro com ele nos meus tempos de cólera ; quem sabe toquei em algum ponto sensível dele e ele então não esqueceu , e não esquecerá. – Maurici Zuara pôs a cabeça entre as mãos , preocupado.
- Seja lá o que tenha sido , não se deve guardar , pois estava você fora do seu senso normal. Não foi sua culpa. Talvez seu irmão ainda não tenha amadurecido o suficiente para entender. Talvez ainda não aprendeu. – O Guia ponderava.

- Talvez , Talvez... E se realmente ele guarda algo ? Se ele tem algum ódio recolhido ? Como saber ?
O Guia Espiritual pensou um pouco e falou :
- Se realmente lhe preocupa o sentimento que seu irmão nutre por você, faça como vou lhe dizer : visite-o mais vezes ; você vai perceber se seu coração se abrirá pra você ou se  se manterá do mesmo modo ; se se mantiver do mesmo modo pode ainda ser a natureza fechada dele , aí você deverá fazer um teste. O que geralmente mais as pessoas têm como  importante é o seu dinheiro. Descubra onde ele guarda o seu dinheiro. Quando tiver uma oportunidade , em sua ausência pegue uma quantia , não muito , apenas uma cédula de valor mediano e ponha sob o tapete da sala e escreva um bilhete lhe comunicando que pegou emprestado , diga que para comprar remédio ou comida , algo assim de necessidade e veja qual é a reação dele. De acordo com a reação de seu irmão você saberá se ele gosta ou não de você.
- Mas é claro que ele vai se irritar e me culpar. Afinal , eu peguei o dinheiro dele sem o consentimento. – Ponderou Zuara
- Sim , natural que ele fique um tanto contrariado ; mas na medida da sua contrariedade, pela sua reação você perceberá o que ele nutre por você ! Você  não quer mesmo saber ?
 Zuara achou razoável  o conselho do Guia Espiritual e decidiu que assim iria proceder.  Vez em quando ia visitar seu irmão , que ainda o tratava com certo distanciamento e frieza , quem sabe até se incomodava ali com a presença de Zuara, que aguardava então uma oportunidade de poder  pôr em prática o plano sugerido pelo Guia Espiritual para enfim saber o que nutria por ele seu irmão.
Uma vez,  quando visitava seu irmão , enquanto conversavam as coisas amenas de sempre , seu irmão recebeu a visita de um vizinho que lhe pediu que fosse à sua casa para lhe ajudar em algo que acontecia com seu carro.  O irmão de Zuara então lhe falou que aguardasse que já voltaria , pois ia socorrer o vizinho. Era a oportunidade. Andarilho foi até onde seu irmão guardava o dinheiro e pegou um cédula de valor razoável e pôs sob o tapete . Escreveu um bilhete que deixou  sobre a mesa explicando que houvera sido acometido de pressão alta com uma forte dor na cabeça, que  precisava urgente tomar um remédio , e que como não tinha dinheiro no momento pegou dinheiro guardado na gaveta mas que devolveria em seguida. Escreveu ainda que não mais esperasse por ele naquele dia pois após tomar o remédio deveria ir pra casa descansar.
A reação do irmão de Zuara foi ainda pior do que imaginado talvez até pelo Guia Espiritual: quando no dia seguinte, se dirigindo à casa do irmão para constatar sua reação, ouvindo o que ele lhe tinha a dizer, ao passar em frente a um mercadinho ouviu  alguém lhe chamar “ ladrão !”  . Zuara a este então se chegou para pedir explicações sobre sua palavra , e então ficou sabendo que seu irmão falara a todos daquela vizinhança que aquele irmão que lhe vinha visitar era um ladrão ; que havia ido à sua casa para roubar-lhe. Visto isso ,  Zuara resolveu que nem iria mais à casa de seu irmão mais, pois já sabia a resposta do que duvidava: seu irmão não o tinha em consideração de boa amizade. Resolveu antes passar na casa do vizinho que naquele dia o chamara para ajudar com o carro e,  lhe explicando a situação , que queria presentear seu irmão , mas que estava em dúvida quanto ao sentimento do seu irmão por ele e resolveu agir assim para testar seu sentimento , segundo o Guia Espiritual orientou ; explicou que o dinheiro estava debaixo do tapete e que quando de fato o perdoasse por alguma mágoa dos tempos de cólera que o procurasse , que o estaria sempre disposto a aceitá-lo como irmão.
O vizinho de seu irmão apenas comentou :
- A adolescência é uma idade muito difícil e geralmente os irmãos mais velhos sevem de orientação para os mais moços. Certamente seu surto deixou a todos confuso em sua família , mas principalmente a ele que vinha crescendo na adolescência e podia lhe ter como referência. Certamente que deve guardar alguma grande decepção pelo seu comportamento doentio ; talvez até o fizeste chorar...
- Mas talvez já fosse tempo de compreender , não ? – Zuara ponderou  - Ele já não é tão criança. A gente não surta porque quer ; simplesmente perde o controle ; e tem sentimentos profundos envolvidos.
- Talvez ainda não chegou o seu tempo de compreender ; de aceitá-lo então... – Considerou o vizinho.
- É , talvez...  – Dizendo assim, Maurici Zuara se despediu do vizinho de seu irmão com um forte aperto de mão e se foi...     
       Deixaria o presente guardado o tempo que fosse... Estava em paz com sua consciência... Havia visitado todos os seus , após retornar... Era hora agora de cuidar da sua vida.


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