terça-feira, 3 de maio de 2022

Os Protetores das Florestas Contra os Malvados Destruidores























I - Os Protetores da Floresta Planejam Como Expulsar os Malvados Destruidores


                 Uma horda de malvados invadiu a floresta amazônica, causando-lhe penosa destruição, e Curupira, protetor das matas e das caças, com seu corpo peludo e seu único olho no meio da testa,  resolveu convocar as entidades da floresta para uma reunião, com o fim de tomarem uma atitude para banir da floresta aquela maldição. E todos então atenderam ao chamado: a Caipora, com sua estatura pequena de índia duende e seus cabelos avermelhados; a Cuca, a velha bruxa com cabeça de jacaré; o Saci, pretinho de uma perna só, com seu gorrinho vermelho e seu inseparável cachimbo na boca; a Mula sem cabeça, com sua labareda de fogo acima do pescoço em lugar da cabeça; a Iara, com seu corpo de linda sereia, metade peixe, metade mulher e  seus longos cabelos verdes; o Boitatá, com seu formato de cobra, expelindo fogo através dos seus vários olhos ao longo do corpo; o Boto-cor-de-rosa, todo num terno branco e um chapéu cobrindo o buraco sobre sua cabeça; o Mapinguari, todo coberto de pelos, com seus braços longos e garras afiadas e uma enorme bocarra à altura do umbigo,  e também a Boiúna, a enorme cobra escura.

                E a todos ali presentes, Curupira passou a expor a situação: o reino onde viviam estava ameaçado por homens maus. A floresta estava passando por grande agonia, sendo atacada sem dó. A natureza estava clamando por sobrevivência; as plantas, os bichos e os índios já não tinham mais sossego. Estavam tocando fogo na floresta; árvores milenares estavam sendo destruídas. As aves logo já não teriam mais onde pousar e fazer seus ninhos; os bichos já não teriam mais onde ficar, e muitos já haviam morrido queimados. E mais: o chão da floresta estava sendo todo escavacado e revirado por homens cruéis, gananciosos, em busca de minerais, e assim estão lançando venenos nas águas dos rios, matando os peixes que ali vivem e envenenando os bichos e os índios que daquela água bebem; e assim adoecendo e morrendo também. 

                Curupira invocava pelo auxílio de todos ali, pois não se podia mais tolerar aquela tragédia, dizendo que a floresta não era apenas reino dos índios, das matas e dos animais, pois era reino de todos eles ali também, e que deixando de existir a floresta, eles deixariam de existir também; que os índios têm lutado para proteger a floresta, mas também os índios os malvados estão matando também. Curupira por fim encerrou seu discurso dizendo:

  • É nossa obrigação defender a floresta desses destruidores e salvar as matas,  os índios e os bichos. E salvando a floresta estamos protegendo a nós também, pois não existimos sem a floresta.  E agora eu quero ouvir o que vocês têm a dizer.

               A Caipora foi a primeira a responder, e concordou que era dever de todos li proteger a floresta; que os animais não podiam passar por aquela agonia sem que se tomasse uma providência; que os malfeitores iriam se dar muito mal, pois eles iriam botar os facínoras pra correr ou fazê-los morrer ali naquele chão sagrado. E todos assentiram com a sua fala.

                Em seguida, a Cuca se manifestou, muito indignada com aquela situação. Concordou que a floresta é o reino de todos eles ali, que deviam atender seu pedido de socorro e que aqueles facínoras iriam se arrepender mil vezes  de terem botado seus pés sujos na floresta. E todos vibraram com sua fala aos brados e urros.

                Logo em seguida foi a vez do Saci se manifestar, e se mostrou muito revoltado com a ação sinistra daqueles homens perversos. Disse que não via a hora de aprontar suas traquinagens pra cima dos desalmados. Disse ainda que a hora dos cruéis não tardava, e que a paz e a harmonia voltaria a imperar entre todos ali. E todos ficaram satisfeitos com a fala do Saci.

                  A Mula Sem Cabeça não se continha de raiva, e toda irada bradava com voz arrepiante, dizendo que aqueles assassinos mereciam severas punições pelas terríveis agressões à floresta sagrada; disse mais: que jamais quereria estar na pele dos desgraçados. E quanto mais irada falava, mais o fogo sobre seu pescoço se avolumava. E todos fizeram coro com a Mula Sem Cabeça com grande alarido.

                   A Iara na sua vez falou que já não podiam mais esperar, que a floresta já estava sofrendo demais e que urgia fazer algo para parar aqueles miseráveis, e que deveria pagar com a vida quem estava levando morte à floresta querida. E todos ali aplaudiram a sua fala.

                   Foi então que o Boitatá se pôs a falar, dizendo que não podiam mais aceitar tal descalabro, e que a toda aquela maldição deveriam pôr um fim o quanto antes. E ainda disse que aqueles bandidos iriam mandar de volta pros infernos de onde jamais deveriam ter saído. Todos acolheram com entusiasmo a sua fala.

                    O Boto-cor-de-rosa reforçou que era importante aquela reunião e a união de todos para afugentar aqueles malignos da floresta, e que os desgraçados iriam ver com quantos paus se faz uma canoa. E todos sentiram vigorosas as suas palavras e as apoiaram.

                     Por fim a Boiúna falou, e disse estar muito irritada com toda aquela invasão desses elementos tão nefastos e que eles iriam ter o que pediram. Que era hora de agir com todo o rigor com que os bandidos mereciam. E todos concordaram também com a palavra da Boiuna.

                       Curupira ficou muito satisfeita que todos concordaram de que deviam unir forças para salvar a floresta da extinção a que os canalhas estavam querendo condenar a sagrada floresta. E começaram então a traçar os planos de ação. 

                       

   II - Os Protetores da Floresta Põem em Ação Seus Planos Contra os Malvados Destruidores 


                         Os malfeitores estavam lá destruindo a floresta. Tudo era só devastação ao redor. Uma enorme extensão de área desmatada. Aquela parte da floresta era barro, poeira e lama. Centenas de enormes tocos de árvores derrubadas. E ainda grandes partes das matas queimadas, incendiadas. Ali já não podia mais a onça caçar, a cobra rastejar, as aves fazerem ninhos, pousarem; os macacos ali não podiam mais de galho em galho pular. E os malvados seguiam ainda mais e mais destruindo.

                         Mas os guardiões da floresta já estavam prontos para fazerem frente aos desgraçados destruidores; e já estavam a pôr em ação o planejado. E assim o Saci já houvera visitado seus acampamentos e já lhes tinha aprontado umas segundo seus merecimentos. E foi assim que os malvados pela manhã ao escovarem os dentes, sentiram ardência pior do que a mais ardente pimenta da região. E foram a lavar as bocas desesperados, mas a ardência não passava, não. E chiavam de dor e começaram uns a culpar os outros, e acabaram brigando e uns aos outros acusando e esbofeteando.  

                  Levou um bom tempo para a ardência passar e as bocas desincharem. Mas quando foram tomar café, este estava com um gosto tão ruim, intragável, e o pão também estava todo mofado, com aspecto horroroso, e todo o leite azedado, horrível. E bem mais do que isso o Saci houvera aprontado. Mas continuavam um ao outro culpando, e,  assim, brigando e se esmurrando. E ficaram então com fome, além de hematomas e arranhões das brigas que travaram. E assim se foram para cortar mais árvores os malvados. Mas quando ligaram a motosserra, esta passou a sacolejar, e a soltar uns pipocos estranhos, uns estalos, e não dava pra segurar; e assim caiu no chão se movimentando descontrolada. E assim a motosserra saiu rastejando pelo chão, perseguindo os malvados, que pulavam daqui e dali a fugir; e se embrenharam  nas matas de urtigas e espinhos; e outros deram com a cara no chão. E por fim a motosserra deu um estouro final, soltando uma porção de fumaça preta. E os malvados, uns olhando aos outros assustados, e começaram a culpar uns aos outros de danificarem a máquina, e começaram a brigar de novo, trocando bofetes, enquanto o Saci, de parte, se divertia à beça, rindo daqueles malvados abestalhados. O Saci houvera ali aprontado suas boas traquinagens. 

                    Os malvados já com uma pulga atrás da orelha começavam a desconfiar que algo estranho estava acontecendo, e um deles resolveu então pegar o garrafão de cachaça. E quando tomaram uma talagada, cuspiram fora, gritando de dor: a cachaça estava queimando pior do que gasolina; os malvados ficaram arfando e sofrendo com muita dor. Foram ao tonel de água para se aliviarem, e já não tinham mais o que fazer então. Resolveram ligar para o chefe, o miseravão que os tinham enviado para cometerem na floresta aquela degradação. E o chefão respondeu que iria mandar um avião, com motosserras, mantimentos e mais combustíveis, que era para bem mais matas incendiar. E assim ficaram ali o avião a esperar.

                     A Curupira e o Saci  estavam ali a se divertirem com os perrengues que os malvados estavam passando com as traquinagens que o Saci lhes aprontou, e resolveram chamar a Cuca para lhes aprontar uma arte para recepcionar o avião que estava para chegar. 

                    Os malvados estavam aporrinhados, sem poder tomar café, sem poder tomar cachaça, e já sentiam muita fome; e então foram comer seu feijão com arroz. Mas o feijão com arroz estava cheio de bichinhos asquerosos, como morotós; a carne estava apodrecida; e então ficaram com muita raiva, e de novo culparam uns aos outros e se esbofetearem a até não aguentarem mais…  E assim ficaram passando fome, gemendo das dores dos arranhões e hematomas dos bofetes das brigas, cansados, esperando que viesse logo o tal avião.

                     Enquanto isso, no acampamento dos garimpeiros, os malvados destruidores também estavam passando seus perrengues. O Saci havia aprontado a mesma arte  nos seus mantimentos e maquinários: pasta de dente ardendo pra valer, café fedorento, pão bolorento, cachaça queimando como ácido, feijão com arroz cheios de bichinhos asquerosos como morotós. Nada puderam comer ou beber e ainda ficaram com as bocas ardendo que nem fogo. E também estavam cheios de hematomas e arranhões, pois passaram uns aos outros acusarem e se engalfinharem em pesadas lutas. O Saci ria, de parte. E as máquinas e os tratores que usavam no garimpo também deram seus piripaques, e saíram andando sozinhos descontrolados, perseguindo os malvados, que fugindo delas se embrenharam em matas de espinhos e urtigas e meteram também as caras no chão. E, por fim, as máquinas depois de andarem sozinhas descontroladas, deram seus pipocos finais, soltando uma porção de fumaça preta! E o Saci, de parte, rindo.

            E os malvados do garimpo ficaram também com uma pulga atrás da orelha, pois acharam muito estranho aquelas coisas acontecendo a um só tempo. E também resolveram ligar para o seu líder, que os enviaram para aquela destruição, toda aquela escavacação de terras, lamas, e venenos correndo para os rios, matando os peixes, envenenando os bichos e as gentes, o miseravão-mor. E o miseravão-mor respondeu que iria ver a situação de perto. O Saci e a Caipora estavam de parte ouvindo a conversa e resolveram convocar a Cuca e a Iara para aprontar uma recepção pro miseravão-mor. Mapinguari e a Mula Sem Cabeça também iriam atuar. 

              E lá no acampamento dos malvados derrubadores de árvores e incendiadores de matas , o avião com combustíveis, motosserras e mantimentos chegava. E a Cuca então, velha bruxa, se transformou numa gigante borboleta negra e voou em direção ao avião, e ficou voando com gigantes asas negras abertas na frente do para-brisa do avião, tapando a visão do piloto, que assim não podia ver a pista de pouso e acabou descendo com o avião de bico no lamaçal de um pântano ali próximo. Uma enorme sucuri tratou de levar o piloto dos malvados para o fundo do rio.

              Após isso, o Boitatá, com seu corpo de cobra em fogo, foi pelo acampamento dos malvados, tocando fogo em tudo: suas barracas, suas camas, suas roupas; foram tudo queimando. E  eles saíram correndo em grupo dentro das matas, fugindo do Boitatá que estava destruindo tudo ali. Já era noite e o grupo de malvados em fuga na escuridão deram de cara com a Mula Sem Cabeça fazendo visagem , cheia de ódio, as labaredas enormes acima do pescoço. Os malvados ficaram apavorados, paralisados de medo. E seguiram então noutra direção e aí deram de cara com o Mapinguari, a bocarra enorme ameaçante, os malvados em pânico debandaram, cada um pro seu lado, se perderam na escuridão da mata, e as onças famintas saíram a procurá-los.

               O acampamento dos derrubadores de árvores estava destruído, porém barcas cheias de toras de madeira haviam saído pelo rio, levando as árvores assassinadas, e os malvados gananciosos já contavam com a venda delas. Mas mal sabiam o que lhes esperavam. Pois o Boto-cor-de-rosa jogou entulhos do fundo do rio nos motores das embarcações, causando panes nos motores e parando as embarcações. Os malvados ficaram sem entender o que estava acontecendo, foram pra fora das embarcações a olhar em volta.  De repente dera de cara com uma gigante cobra escura, que ameaçadora apareceu, e os malvados entraram pras embarcações assustados, e com uma força descomunal levantou, virou e afundou as embarcações. As toras de madeiras ficaram a boiar no rio, enquanto jacarés trataram de levar os malvados dali para o fundo do rio ...

              E lá no acampamento dos malvados garimpeiros estava chegando o helicóptero do líder da destruição. E era um helicóptero militar. E a Cuca se transformou de novo numa enorme borboleta negra e apareceu assustadora bem na frente do piloto do helicóptero, tapando sua visão.  O piloto, assustado, com os olhos super arregalados, sem poder ver nada além daquela borboleta gigante horrorosa, começou a perder o controle do helicóptero, que começou a girar, girar, girar e acabou dependurado no alto de uma alta árvore ali próxima. O líder dos malvados, o miseravão-mor, conseguiu pular de paraquedas a aterrizar. Os outros que ficaram lá em cima na árvore, os macacos foram lá pra pegá-los, e eles, tentando fugir, acabaram se despencando lá de cima em baixo.

              O miseravão-mor, depois de aterrissar, se livrou do paraquedas e foi caminhando até o acampamento do garimpo. E caminhando até o garimpo maldito, passou próximo a um rio e ali viu uma bela mulher que chamou para com ela nadar. Miseravão-mor não resistiu, tão sedutora ela era , e todo se achando, mergulhou no rio e logo já estava acarinhando os seus cabelos verdes. Iara perguntou a ele o nome, e ele todo se achando respondeu: 

  • Meu nome é Bozo Jamal!

   Iara deu um sorriso  e logo o segurou pelo pescoço e levou para o fundo do rio para nunca mais voltar. E assim foi o fim do miseravão-mor destruidor da floresta.

               E então foi a vez do Boitatá com seu corpo de cobra de fogo aparecer no acampamento dos malvados garimpeiros e pôr fogo em tudo por lá. Nas barracas, nos maquinários , nas suas roupas, nos mantimentos.  Os  malvados garimpeiros correram, horrorizados com aquela serpente com corpo exalando fogo, queimando tudo ali, e se foram pela mata adentro na escuridão e então deram de cara com a Mula sem cabeça, enorme, corpulenta, com uma grande labareda de fogo em lugar da cabeça e fugiram pra outro lado espavoridos, até darem de cara com o Mapinguari, monstruoso, com a bocarra na barriga ameaçadora. Ficaram tão atemorizados que saíram correndo cada qual prum lado da selva, se perdendo por entre as entre as onças famintas.

            Outros malvados estavam na mata com inúmeros animais aprisionados para levá-los da floresta, seu lar, para comercializar aquelas pobres criaturas. Caipora, que estava no encalço desses elementos quando os encontrou então soltou uivos assustadores. E os malvados perversos, fugindo temerosos, acabaram pelos pés pendurados, caídos  em armadilhas que o Caipora já tinha pra eles armado. Assim esses desalmados iriam parar de praticar seus horrores àqueles pobres, inocentes animais, todos em pequenas gaiolas oprimidos, pelos maus tratos muitos adoecidos e outros já morrido; papagaios, araras, micos, iguanas e tantos outros animais.Caipora soltou todos eles à liberdade da mata, que  cativeiro não iriam sofrer mais. Os malvados ficaram lá nas árvores pendurados. As onças iriam deles cuidar.


III - E Enfim a Paz Reinou na Floresta.


          E enfim a paz e a harmonia à floresta sagrada voltou a reinar. As entidades protetoras livrou enfim a floresta daqueles malvados, pondo um fim de vez  a toda aquela agonia e sofrimento que estava passando: as matas sendo devastadas, os seu animais sendo assassinados ou sequestrados, seu chão todo sendo escavacado, suas águas envenenadas…  Seus protetores a livraram de tal tormento e  a floresta voltou a viver tempos de paz; a floresta dos índios, das matas, dos bichos; a floresta acolhedora, reino da Curupira, da Caipora, e outras entidades, suas protetoras.

          E assim, a onça voltou a caçar, os macacos voltaram a pular de galho em galho, a cobra pode rastejar em paz, as aves a fazer seus ninhos nas altas árvores, as araras, os papagaios, os periquitos e tantas outras…. E assim os rios ficaram livre dos venenos, e os animais e os índios podiam beber dele tranquilamente; o rio dos peixes, dos jacarés, do peixe-boi, do boto cor-de-rosa…


sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Um Presente Guardado






Maurici Zuara está agora indo em visita à casa de um dos  seus irmãos o qual já não vê há algum tempo desde  que passara por sua aguda e intempestiva  crise. Quando de sua crise,  Zuara andou irascível e brigado com o mundo, pois se embrenhara em suas dificuldades de seguir no seu desejo , na sua desmedida ambição desde seu sonho; que o céu não é mesmo perto;  andava  atormentado ; e uns ou outros vendo-o naquela agonia ainda lhe pilheriavam, como é de praxe. Assim , nesse  seu tempo de contrariedade , de cólera e de delírio, acabava por agredir verbalmente um ou outro que entendesse  como  abusador de seu azar. Desta forma , nem mesmo aqueles a quem ligado por laços consanguíneos foram poupados de xingamentos e impropérios quando na contrariedade ;  Maurici Zuara se sentia abusado. Desta forma , até seus próprios irmãos não foram poupados de impropérios  quando do surto de Maurici Zuara. Mesmo sua mãe , coitada , teve que ouvir seus impropérios desde a ira de Maurici Zuara. Após retornar definitivamente da viagens distantes que Maurici Zuara fizera nos altos e baixos do seu processo de surto , após completar seu aprendizado e retomando seu senso,  voltou  para sua cidade; resolveu visitar seus pais e seus irmãos. Seus pais já se encontravam separados e seus irmãos casados. Quando visitou sua mãe , esta o recebeu com alegria e satisfação de ver o filho restabelecido ; o mesmo foi quando visitou seu pai , e quando visitou a maior parte de seus irmãos. E deu um presente a cada um deles. Zuara percebera com satisfação que nem seus pais nem seus irmãos falou nada do passado , nem pergunta sobre o que lhe acontecera ; nenhuma cobrança , subentendendo-se que era normal que tivesse passado seus apuros e reagisse como reagiu ; acontece.  Maurici Zuara assim entendia. Porém  faltava ainda visitar um de seus irmãos.  Para a casa desse irmão estava Maurici Zuara se encaminhando agora e levando o presente para lhe presentear.
Maurici Zuara contava com que este irmão o recebesse com a mesma alegria e naturalidade com que os outros irmãos e seus pais o receberam , porém , quanto a este irmão , não sentiu o mesmo comportamento.  Não demonstrou desagrado aparente , mas também nenhuma empolgação , nem demonstração de alegria esfuziante. Lhe respondia secamente, talvez até com algum desprezo. Maurici Zuara ficou em dúvida se dava ou não o presente   a este seu irmão. Não lhe pareceu que o aceitasse ainda como irmão no coração. Talvez ainda guardasse alguma mágoa dos tempos de sua cólera  ; talvez até tivesse sido mais duro com ele em alguma palavra e ele então guardou alguma mágoa. Também poderia ser aquele o seu jeito mesmo de ser e essa tal antipatia que Maurici Zuara percebeu pode ter sido uma impressão ; ou não. De qualquer forma , Maurici Zuara omitiu o presente e resolveu não dá-lo ainda. Achou que não era ainda o momento certo para fazê-lo , pois se seu irmão tinha guardado dele algum rancor, o presente poderia soar como pretexto de comprá-lo a consciência. Zuara despediu-se , agradecendo a acolhida do irmão e prometendo voltar outro dia.
Maurici Zuara tomado de dúvidas foi procurar o Guia Espiritual da cidade para se aconselhar sobre como deveria proceder .
- Então você quer saber se seu irmão o tem em boa conta ou se guarda contra você alguma mágoa ? _ Comentou o Guia Espiritual , após ouvir de Zuara seu dilema.
- Pois então , Mestre. Eu estou angustiado,  em dúvida ; quero muito presenteá-lo , mas não quero que pareça que estou querendo compensá-lo por qualquer mal que ele ache que lhe tenha feito.
- Você disse bem : “que ele ache “ , pois mal nenhum você pode ter causado a ele nem a ninguém em função do drama que por que passou. Agredir verbalmente é natural do surto ; não se deve guardar  nada de uma pessoa nestas condições , ainda mais de um irmão ; ninguém tem culpa de ficar doente. –  Completou o Guia.
- Pois então ...  Meus pais e meus outros irmãos me receberam no coração com alegria. Mas este irmão não demonstrou satisfação  alguma ao me ver após um bom tempo. Quem sabe  tenha sido mesmo um tanto mais duro com ele nos meus tempos de cólera ; quem sabe toquei em algum ponto sensível dele e ele então não esqueceu , e não esquecerá. – Maurici Zuara pôs a cabeça entre as mãos , preocupado.
- Seja lá o que tenha sido , não se deve guardar , pois estava você fora do seu senso normal. Não foi sua culpa. Talvez seu irmão ainda não tenha amadurecido o suficiente para entender. Talvez ainda não aprendeu. – O Guia ponderava.

- Talvez , Talvez... E se realmente ele guarda algo ? Se ele tem algum ódio recolhido ? Como saber ?
O Guia Espiritual pensou um pouco e falou :
- Se realmente lhe preocupa o sentimento que seu irmão nutre por você, faça como vou lhe dizer : visite-o mais vezes ; você vai perceber se seu coração se abrirá pra você ou se  se manterá do mesmo modo ; se se mantiver do mesmo modo pode ainda ser a natureza fechada dele , aí você deverá fazer um teste. O que geralmente mais as pessoas têm como  importante é o seu dinheiro. Descubra onde ele guarda o seu dinheiro. Quando tiver uma oportunidade , em sua ausência pegue uma quantia , não muito , apenas uma cédula de valor mediano e ponha sob o tapete da sala e escreva um bilhete lhe comunicando que pegou emprestado , diga que para comprar remédio ou comida , algo assim de necessidade e veja qual é a reação dele. De acordo com a reação de seu irmão você saberá se ele gosta ou não de você.
- Mas é claro que ele vai se irritar e me culpar. Afinal , eu peguei o dinheiro dele sem o consentimento. – Ponderou Zuara
- Sim , natural que ele fique um tanto contrariado ; mas na medida da sua contrariedade, pela sua reação você perceberá o que ele nutre por você ! Você  não quer mesmo saber ?
 Zuara achou razoável  o conselho do Guia Espiritual e decidiu que assim iria proceder.  Vez em quando ia visitar seu irmão , que ainda o tratava com certo distanciamento e frieza , quem sabe até se incomodava ali com a presença de Zuara, que aguardava então uma oportunidade de poder  pôr em prática o plano sugerido pelo Guia Espiritual para enfim saber o que nutria por ele seu irmão.
Uma vez,  quando visitava seu irmão , enquanto conversavam as coisas amenas de sempre , seu irmão recebeu a visita de um vizinho que lhe pediu que fosse à sua casa para lhe ajudar em algo que acontecia com seu carro.  O irmão de Zuara então lhe falou que aguardasse que já voltaria , pois ia socorrer o vizinho. Era a oportunidade. Andarilho foi até onde seu irmão guardava o dinheiro e pegou um cédula de valor razoável e pôs sob o tapete . Escreveu um bilhete que deixou  sobre a mesa explicando que houvera sido acometido de pressão alta com uma forte dor na cabeça, que  precisava urgente tomar um remédio , e que como não tinha dinheiro no momento pegou dinheiro guardado na gaveta mas que devolveria em seguida. Escreveu ainda que não mais esperasse por ele naquele dia pois após tomar o remédio deveria ir pra casa descansar.
A reação do irmão de Zuara foi ainda pior do que imaginado talvez até pelo Guia Espiritual: quando no dia seguinte, se dirigindo à casa do irmão para constatar sua reação, ouvindo o que ele lhe tinha a dizer, ao passar em frente a um mercadinho ouviu  alguém lhe chamar “ ladrão !”  . Zuara a este então se chegou para pedir explicações sobre sua palavra , e então ficou sabendo que seu irmão falara a todos daquela vizinhança que aquele irmão que lhe vinha visitar era um ladrão ; que havia ido à sua casa para roubar-lhe. Visto isso ,  Zuara resolveu que nem iria mais à casa de seu irmão mais, pois já sabia a resposta do que duvidava: seu irmão não o tinha em consideração de boa amizade. Resolveu antes passar na casa do vizinho que naquele dia o chamara para ajudar com o carro e,  lhe explicando a situação , que queria presentear seu irmão , mas que estava em dúvida quanto ao sentimento do seu irmão por ele e resolveu agir assim para testar seu sentimento , segundo o Guia Espiritual orientou ; explicou que o dinheiro estava debaixo do tapete e que quando de fato o perdoasse por alguma mágoa dos tempos de cólera que o procurasse , que o estaria sempre disposto a aceitá-lo como irmão.
O vizinho de seu irmão apenas comentou :
- A adolescência é uma idade muito difícil e geralmente os irmãos mais velhos sevem de orientação para os mais moços. Certamente seu surto deixou a todos confuso em sua família , mas principalmente a ele que vinha crescendo na adolescência e podia lhe ter como referência. Certamente que deve guardar alguma grande decepção pelo seu comportamento doentio ; talvez até o fizeste chorar...
- Mas talvez já fosse tempo de compreender , não ? – Zuara ponderou  - Ele já não é tão criança. A gente não surta porque quer ; simplesmente perde o controle ; e tem sentimentos profundos envolvidos.
- Talvez ainda não chegou o seu tempo de compreender ; de aceitá-lo então... – Considerou o vizinho.
- É , talvez...  – Dizendo assim, Maurici Zuara se despediu do vizinho de seu irmão com um forte aperto de mão e se foi...     
       Deixaria o presente guardado o tempo que fosse... Estava em paz com sua consciência... Havia visitado todos os seus , após retornar... Era hora agora de cuidar da sua vida.